Hiperatividade traz ansiedade e tira a concentração de crianças e adultos
“Aos 38 anos, comecei a usar Ritalina 10mg. Foi como se eu nascesse cego e de repente começasse a enxergar. Minha vida mudou nos últimos 4 anos”, conta Marcelo Andrade da Silva. Desde maio, no entanto, sua vida mudou novamente, mas, dessa vez, para pior. “Virou um verdadeiro caos, um drama”. Foi quando o medicamento desapareceu das prateleiras das farmácias em todo o Brasil.
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A Ritalina é um remédio de uso contínuo que tem como princípio ativo o Cloridrato de Metilfenidato, um estimulante do sistema nervoso central que traz calma e foco a crianças e adultos que sofrem com o chamado TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade).
Marcelo conta que só experimentou o que é ter atenção depois do medicamento. “Poder fazer uma coisa só, ler um livro, conseguir prestar atenção em uma conversa com um amigo… Enfim, um universo de coisas que antes eu não era capaz de fazer.”
Nos últimos meses, no entanto, a vida de Marcelo voltou a mudar.
Todos os meus amigos e parentes mais próximos sabem quando eu estou com o medicamento em falta, todos percebem minha produtividade no trabalho mudar, minha dispersão aumentar, e isso me tira a vontade de viver, de sair de casa, de produzir.
Marcelo Andrade da Silva
Desde que o medicamento começou a faltar nas farmácias, as reclamações dispararam no Reclame Aqui, um órgão de defesa do consumidor avalizado pela Ouvidora-Geral da União.
As reclamações a respeito da Ritalina ultrapassaram 1 mil. Foram 28 queixas de janeiro até abril, contra 1.078 de maio até o dia 10 de setembro.
A gestora administrativa Elaine Cristina Costa, 29, é quem compra o remédio para o sobrinho de 15 anos. “Ele perde a concentração na escola e fica muito agitado”, conta. “Foi desgastante [procurar uma farmácia com o remédio], porque só tem uma empresa que faz esse medicamento. Fiquei desesperada.”
O jeito foi ministrar apenas meia dose. “Preciso ficar ligando nas farmácias pra ver se tem”, diz. A advogada Aldaira Barducco, 46, se preveniu: como “a falta é periódica”, ela estocou o remédio para o filho de 13 anos.
Ele não tem controle na escola. Não fica sentado, perde a atenção na aula. A falta da Ritalina reflete em seu desempenho escolar e social, nas amizades, porque ninguém aguenta.
Aldaira Barducco
Para conseguir o remédio, cuja cartela com 60 comprimidos custa R$ 70, ela entra em contato com parentes e amigos de todo o Brasil, que reservam a Ritalina assim que encontram em alguma drogaria. “Em junho, consegui comprar uma caixa na Praia Grande”, litoral paulista.
Durante o desabastecimento, a advogada foi informada de que o remédio finalmente havia chegado a uma farmácia. “Eu corri e comprei todas as caixas, mas aí apareceu a mãe de um menino que também precisava e deixei algumas com ela, porque eu sei o desespero que é.”
Psiquiatra do Hospital de Apoio de Brasília e da Aliança Instituto de Oncologia, Roney Vargas Barata afirma que alguns de seus pacientes reclamaram da dificuldade de encontrar o remédio “nos últimos meses”. “Atualmente alguns se queixaram inclusive da falta da Ritalina LA”, mais cara e com duração superior às quatro horas da versão tradicional.
Sem a Ritalina como opção, o médico costuma receitar outras versões de psicostimulantes, como o “Concerta e o Vensanse”. “Além disso, sugerimos medidas educacionais de acompanhamento com psicopedagogo ou treinamento de habilidades com neuropsicólogo.”
Procurada pela reportagem, a Norvatis justificou “vários motivos” para a falta do medicamento, “incluindo uma demanda maior do que a prevista”. Por meio de nota, o laboratório afirma que “o processo de importação do [princípio ativo] do produto levou um tempo maior do que o planejado”: “A empresa está tomando todas as providências ao seu alcance para regularizar o fornecimento o mais breve possível.”
“Concurseiros”
“Isso não é novo”, reclama Aldaira, a advogada que faz uso do remédio. “É que agora ficou tempo demais sem remédio e entrou em evidência.”
Ela também culpa o assédio do que chama de “concurseiros”, estudantes que tentam comprar o remédio para ganhar foco e passar mais tempo estudando a fim de ingressar em concursos públicos ou vestibular. “Muitos me procuram pedindo que eu revenda o remédio do meu filho.”
O psiquiatra confirma que “há um excesso de prescrição de psicostimulante”, embora o medicamento só seja indicado “a pessoas com sintomas de desatenção ou hiperatividade com evidente prejuízo ao funcionamento social e acadêmico”.
“Para alguém sem TDAH, a Ritalina causa piora do foco por induzir sintomas ansiosos. Ele também pode causar convulsão, arritmia cardíaca, morte súbita em pessoas predispostas, psicose, mania, entre outros sintomas.”
Marcelo diz que “a falta esporádica do medicamento torna a vida de quem precisa uma verdadeira montanha russa emocional”.
Cada vez que suspendo abruptamente o uso, a minha vida vira um verdadeiro caos, um drama. A falta do medicamento está trazendo de volta uma vida que eu não queria jamais voltar a ter.
Fonte: BOL